“A música, quando tocada pelos músicos, é uma coisa um pouco como a vida: uma presença fugaz que existe enquanto o músico escuta o som. Há um silêncio interior e depois, após acabar o trabalho, a música desapareceu.”
Madredeus.
Tudo que existe obedece a um ritmo. Uma frequência estabelecida através da qual o movimento se manifesta. O ritmo, qualquer ritmo, é o passo que a natureza dá às suas obras, tornando-as engrenagens de um mecanismo maravilhoso, cujas peças funcionam, cada uma a seu tempo, formando a gigantesca realidade que chamamos de Universo.
A obra exposta acima é a foto do comportamento de um líquido extremamente viscoso, chamado líquido não newtoniano. Este tipo de líquido altera sua viscosidade de acordo com a pressão exercida sobre ele. Neste caso específico, a mudança na aparência e viscosidade do líquido foi induzida por nada mais do que o som!
O som é capaz de alterar muito mais do que o comportamento de um fluído. Ele é capaz, por exemplo, de ordenar a trajetória de uma única partícula subatômica no espaço. Desta forma, o som possui uma miríade de aplicações, mas nenhuma delas é tão pura e humana quanto a música.
Desde os primórdios da humanidade, o ritmo faz parte do cotidiano do ser humano. Os ritmos apresentam-se em todos os aspectos da existência humana, mas foi com a descoberta da música que passamos a aplicar conscientemente o ritmo em diversas áreas da vida.
A música surgiu, originalmente, como uma acompanhante inseparável do trabalho. Seu papel era orientar os membros de um grupo a trabalharem todos no mesmo ritmo. Esta orientação facilitava o trabalho conjunto, unindo o grupo e levando-o a agir como um só ser.
Esta aplicação da música foi herdada pelas gerações posteriores e foi, por fim, importada e incorporada pelas religiões. Nestas, a música cumpre o papel de harmonizar o eixo energético do corpo humano, alinhando a mente dos participantes do culto com o princípio trabalhado no ritual. Desta forma, a música induz nos membros da assembleia, o mesmo efeito que induz nos trabalhadores: forma uma única mente, coletiva, vibrando em uma frequência específica e determinada, voltada para o trabalho a ser feito.
Diversas religiões desenvolveram suas próprias “peculiaridades sonoras” utilizando o som para induzir estados diversos na mente coletiva. Inúmeros casos podem ser citados, sendo o mais notável deles, o canto gregoriano, desenvolvido pelos sábios do Cristianismo.
O conceito é simples: tons específicos, induzindo estados mentais específicos. Este conhecimento surgiu da observação do homem sobre si mesmo. Analisando cada estado, os seres humanos foram desenvolvendo diferentes instrumentos, escalas e ferramentas que tornaram a música cada vez mais elaborada, englobando uma gama cada vez maior de sentimentos.
Este conhecimento já foi a chave de grandes mistérios. Os mantras, cuja entonação precisa ser ensinada por um mestre, a fim de que os mesmos sejam vibrados corretamente, encerram em si um mistério muito maior do que aquele que está exposto em suas palavras. Os antigos construíram gigantescas mentes coletivas, que até hoje podem ser acessadas através destes sons.
Estas mentes coletivas ancestrais são poderosas o suficiente para causar alterações muito maiores do que uma mudança de humor quando alinhamos nossa mente com seus pilares. Este segredo não se restringiu aos orientais: foi descoberto também pelos filhos de Abraão e fortemente incorporado à cadência com a qual se pronuncia suas sagradas orações.
Devemos observar, por fim, que a música é um elemento humanizador, aspecto social que representa o poder colossal da coletividade humana. A música, objeto mental, é a força humana capaz de gerir o poder criativo do Ser, ritmando sua capacidade, e induzindo mudanças na realidade circundante, obra pura do pensamento humano.
Bibliografia:
NETTL, Bruno. “Music in Primitive Culture”