Lá no fundo eu sabia de tudo: o mundo havia desmoronado. Eu havia esquecido, há muito tempo, que a vida dava voltas e que minha busca pelo poder cedo ou tarde iria acabar me levando para o fundo do poço. Mas não imaginei que eu afundaria tanto a ponto de só ver trevas até mesmo com os olhos da alma.
Talvez eu precise me lembrar de quando tudo começou… Sim! Preciso reviver aquela pureza que me levou a buscar a sabedoria. Eu era jovem e via tudo com a inocência de um pequeno cordeiro. E por isso mesmo era presa fácil para os lobos velhos. Queria aprender, devorava livros, buscava rituais e toda a pompa que via neles.
As coisas foram ficando mais difíceis até que chegou um momento em que parei. Não conseguia avançar: não via o caminho pelo qual deveria trilhar. Até que me chegou alguém e me ofereceu a droga que embota o espírito: poder. Cantou-me mil maravilhas de seu método, disse-me que poderia ver o mundo e sua fundação com meus próprios olhos. Prometeu-me que eu, senhor do meu próprio ser, tomaria posse daquele poder que sempre havia sido meu.
Eu não via falsidade em suas palavras. Só via o brilho de um ouro que eu deveria prever ser falso, afinal, os livros dos mestres sempre me alertavam dos riscos de tudo desejar. Não… Não via nada disso. Absolutamente nada. Estava cego pelo poder e por tudo que eu pensava almejar pelo bem do mundo.
Era um tolo que não conseguia ver meus próprios pensamentos e vontades. Era iludido por ritos vazios de sentido, homens vazios de si, vidas vazias de inspiração. Buscava um poder que pensava ser útil para mudar o mundo e torná-lo mais puro. Inocência mata. E descobri isso da pior maneira possível. Minhas intenções eram puras, mas meus métodos eram tão sujos quanto o inferno que àquela altura pensava ser o céu. Andei perdido por muito tempo…
Em uma noite, solitário, pedia em minhas preces que a sabedoria divina inspirasse meu intelecto. Estava quebrantado por tanto sofrimento, tanta busca inútil. Pensava que o Universo havia esquecido de mim. Sentia o mundo me engolir e a dor me trouxe de volta à verdade: eu estava perdido. Não sabia para onde ir, para onde olhar.
Lembrei-me, que a muito tempo um sábio senhor havia me dito: os olhos da alma que chora e sofre são os olhos do Eterno, pois sua providência vê toda a miséria do mundo. Recordo-me bem do momento em que despertei para uma realidade, não cósmica ou universal; uma verdade muito minha e que se apoderava do meu intelecto gritando a alta voz: você não precisa disso.
Eu não precisava de livros para ser sábio, de ouro para ser rico, de tudo para ser feliz. Eu vi a mim, descobri o meu eu perdido no meio de tanto pó. Percebi que o que eu tanto buscava estava dentro de mim, que tudo não passava de ferramentas sujas e velhas.
Fui crescendo, e percebi que meditando estava mais próximo do Todo, pois estava só eu e meu espírito. Percebi que lendo minhas ações era capaz de prever o futuro, pois via em mim um espelho do mundo. Atentei para o fato de que era rico por trabalhar e não por receber pelo meu trabalho, pois era do suor que emergia a Obra. Enxerguei que era vivendo que seria feliz, pois era a vida, o paraíso prometido.
Andei perdido, mas encontrei o caminho ao olhar para meu coração.
“[...]pois em teu favor ele ordenou aos seus anjos que te guardem em teus caminhos todos.”