“Quando a divina Circe aconselhou Ulisses a evitar as Sereias, de voz maviosa e enfeitiçada, recomendou lhe que tapasse com cera os ouvidos de seus marinheiros para que eles não lhes ouvissem o canto. “Mas, se tu mesmo quiseres ouvi Ias, é preciso que eles te amarrem em torno do mastro da ligeira nave, de pé, com possantes cordas, para que possas ouvir com prazer as duas Sereias. Se, porém, lhes pedires ou ordenares que te soltem as cordas, mais fortemente eles te devem amarrar o corpo”
(Odisséia, Canto XII)
O mito das sereias tem relação direta com o signo de peixes e com seu regente Netuno. As sereias eram seres míticos cujo corpo era divido em duas partes, sendo a inferior a cauda de um peixe e a superior o tronco de uma mulher. Seu canto belíssimo e sua beleza atraía os navegantes para as profundezas dos mares onde, tragicamente, eram devorados por estes seres funestos.
Esta versão atual do mito das sereias é consideravelmente diferente das sereias dos tempos homéricos, onde as sereias (metade pássaro, metade mulher) tinham relação direta com o culto dos mortos (as sereias eram, muitas vezes, evocadas no momento da morte). Como todo mito, as sereias foram adaptadas de acordo com os costumes locais. E é exatamente a forma brasileira deste famoso mito grego que tentaremos analisar brevemente utilizando a astrologia como ferramenta.
Primeiramente, precisamos compreender a natureza dos signos e o signo diretamente associado à este mito. Os signos zodiacais são nada mais do que “campos” que demarcam as 12 substâncias básicas da psique humana. Podemos subdividir os signos em triplicidades que representam a forma como as características de cada elemento se apresentam em nossa psique.
Estas triplicidades são divididas de acordo com os 4 elementos utilizados nos sistemas mágicos ocidentais: fogo, ar, terra e água. Cada uma das triplicidades se relaciona com um aspecto universal, de acordo com as energias de cada elemento e os planos com as quais se relacionam em nossa mente. A triplicidade do fogo é conhecida como “triplicidade do espírito”, a da terra como “triplicidade da matéria”, a do ar como “triplicidade do relacionamento” e a da água como “triplicidade da alma”.
A esta última triplicidade pertencem os signos de Escorpião, Câncer e Peixes. Para compreendermos a natureza comum destes signos é necessário compreender o elemento associado a eles (a água, que é o que nos interessa aqui, representa o “corpo emocional”). Para não consumirmos muito tempo nesta análise, tomemos ciência de que o signo de peixes é do elemento Água, de qualidade ou natureza Mutável, de gênero Feminino (Yin) e pertence a Terceira Dimensão.
Para compreendermos melhor o mito, e, para que possamos efetuar uma melhor relação do mesmo com o conhecimento astrológico devemos nos lembrar da característica mais marcante dos mares: sua ligação com os céus, no que chamamos de “horizonte”.
Para uma análise superficial, o horizonte pode ser tomado como a linha onde o céu (svperivs) toca o mar (inferivs). Sendo meio peixe, meio humanas, a parte animal das mesmas se oculta nas águas do mar. Este aspecto é extremamente interessante quando analisamos o que as águas representam. Para isso, vamos observar brevemente o regente do signo de Peixes: Netuno. Mas vamos por partes.
As águas são a representação arquetípica de nossos sentimentos e emoções. Sempre em movimento e de uma ciclicidade notória, nossos sentimentos formam o “mar emocional” onde nosso lado primitivo (a nossa cauda vestigial, ou o “rabo de peixe” da sereia) permanece oculto. Estas “águas mentais” são exatamente o que o signo de Peixes representa em uma análise superficial.
O planeta Netuno, que rege o signo de Peixes, pode ser comparado (mas não completamente descrito) pelo deus greco/romano associado. Poseidon/Netuno, rei dos mares, é o poderoso deus dos terremotos e das profundezas marinhas. O planeta regente aprofunda os aspectos do signo e representam o ápice de seu significado.
Desta forma, as profundezas dos mares em que habitam as sereias (e para os quais são levados os homens) são os mares de Netuno. Mares emocionais de tamanha profundidade, que raramente somos capazes de alcançar. Estes mares neptunianos estão associados aos mais profundos sentimentos e necessidades, bem como às mais primitivas emoções humanas.
O canto destes seres, é descrito como oriundo das profundezas dos oceanos e fatalmente atraente para os navegantes que se aventuram em alto mar (de certa forma, o fato de o canto afetar apenas homens tem relação com a polaridade do signo de Peixes, mas isto é assunto para outros artigos). Aqui, podemos apelar para o “culto aos mortos” que se apresenta na versão grega. Em uma referência muito rápida, podemos relacionar o local de onde vem o canto e o que ele resulta com as câmaras mortuárias utilizadas para a iniciação.
O sentido simbólico aqui é óbvio: a atração exercida pelas sereias (veículos da paixão) leva os homens a um mergulho profundo nos mares da alma onde são todos devorados pelas paixões pelas quais mesmos se permitiram dominar. Aqui nos valemos de Homero, pois existem três tipos de homens a serem citados: os homens que se entregaram as paixões e foram devorados por elas, aqueles que taparam os ouvidos com cera (ou com as palavras do e passaram pela tormenta (mas não a experimentaram, não aprendendo com ela) e os que (raro número) ouviram o canto das sereias, mas auxiliados pelas amarras (representadas pelas cordas que amarrariam Ulisses pelo conselho de Circe) permaneceram vivos e experimentaram o mergulho nestas paixões.
Acima dos mares a bela figura feminina, representa (em união com seu canto) a falsa imagem de perfeição que as paixões mal dominadas são capazes de gerar. Esta imagem é um risco iniciático óbvio, e implica em uma observação um pouco mais profunda do homem que mergulha.
Nenhum homem pode ressurgir se não experimentar a morte (se não for engolido pelas profundezas dos mares). Este mergulho nos profundos oceanos da mente é necessário para que possamos, ciclicamente o fazendo, enfrentar nossos defeitos e nossas paixões, resgatando de lá o homem vivo de desejo.
Este é o verdadeiro significado do mito das sereias: os profundos mares de nossa psique são o tohu wa-bohu do homem. Assim como o primitivo homem que habita as profundezas de sua própria potencialidade, a cauda das sereias se oculta em mares obscuros para nossa visão limitada. Apenas através do trabalho sobre nós mesmos podemos construir cordas suficientemente fortes para nos amarrar ao mastro de nosso Eu e experimentar a sensação de tocar o assoalho oceânico de nosso ser.
Somente através desta experiência podemos libertar o belo ser que figura acima das águas, mas que não é mais preso às profundezas de seu corpo mental. Tornamos-nos livres, ganhamos asas para então alçar voo rumo aos céus de Urano.