Conhecereis a verdade e a verdade vos livrará.
João 8:32
No ano 15 do principado de Tibério (entre 28 e 29 d.C.), um asceta, João Batista, pôs-se a discorrer por toda a terra do Jordão, "proclamando um batismo de arrependimento para a remissão dos pecados" (Lucas, 3:3). O historiador Flávio Josefo descreve-o como um "homem honesto", que exortava os judeus a "praticar a virtude, a justiça e a devoção" (Antiguidades judaicas, 18, v.2, 116-9). De fato, era João Batista um verdadeiro profeta, iluminado, irascível e veemente, em revolta declarada contra as hierarquias política e religiosa judaicas. Líder de uma seita milenarista, anunciava a iminência do Reino, mas sem reivindicar o título de messias. Seu apelo foi coroado de grande êxito. Entre as pessoas que, aos milhares, acorriam de toda a Palestina para receber o batismo, encontrava-se Jesus, originário de Nazaré, na Galileia. Segundo reza a tradição cristã, João Batista reconheceu nele o messias.
Não sabemos por que motivo Jesus se fez batizar. É certo, porém, que o batismo lhe revelou a dignidade messiânica. Nos Evangelhos, o mistério dessa revelação é traduzido pela imagem do Espírito de Deus descendo como uma pomba e por uma voz dos céus, que dizia: "Este é o meu Filho amado" (Marcos, 1:12; cf. Marcos, 1:11; Lucas, 3,22). Logo depois do batismo, jesus retirou-se para o deserto. Esclarecem os Evangelhos que ele foi "impelido para o deserto pelo Espírito", para ser tentado por Satanás (Marcos, 1:12; Mateus, 4:1-10; Lucas, 4:1-13). O caráter mitológico dessas tentações é evidente, mas seu simbolismo revela a estrutura específica da escatologia cristã. Morfologicamente, o argumento é constituído de uma série de provas iniciatórias, análogas às de Gautama Buda. Jesus jejua durante 40 dias e 40 noites, e Satanás o "tenta": pede-lhe primeiro milagres ("manda que estas pedras se transformem em pães"; leva-o a Jerusalém e coloca-o sobre o pináculo do Tempo, dizendo-lhe: "Se és Filho de Deus, atira-te abaixo") e, em seguida, oferece-lhe o poder absoluto: "Todos os reinos do mundo e a glória deles." Em outras palavras, Satanás oferece-lhe o poder de destruir o Império Romano (e portanto o triunfo militar dos judeus anunciado pelos apocalipses) desde que Jesus se postre diante dele.
Jesus praticou o batismo durante algum tempo, tal como João Batista e provavelmente com maior sucesso (cf João, 3:22-4; 4:1-2). Mas, ao saber que o profeta fora preso por Herodes, Jesus deixou a Judeia e dirigiu-se para sua terra natal. Explica Flávio Josefo que o gesto de Herodes fora de medo: receava a influência de Batista sobre a massa e temia uma rebelião. Seja como for, sua prisão de azo à pregação de Jesus. Desde sua chegada à Galileia, proclamou Jesus o Evangelho, ou seja, a Boa Nova: "Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho". A mensagem expressa a esperança escatológica que, com poucas exceções, dominava a religiosidade judaica fazia mais de um século. Depois dos profetas, depois de João Batista, predizia Jesus a iminente transfiguração do mundo: temos aí a essência de sua pregação.